Friday, April 28, 2006

Dia das Mães

Aos 26 anos, Sônia tinha mais de doze meses de casada e estava grávida pela primeira vez. Seu marido, assim que soube do resultado do exame, resolveu negociar um financiamento no banco para comprar um apartamento de dois dormitórios, porque até então eles moravam em uma kitinete.

O primeiro Dia das Mães de Sônia foi comemorado na nova residência. Ela estava com sete meses de gravidez. De presente, ganhou um lindo berço para a criança que ia nascer. Sônia gostou da criatividade do marido, pois sabia que no final de maio, na data do seu aniversário, ganharia algo para ser usado por ela.

Bem... O dinheiro era pouco, as coisas para o bebê estavam muito caras e ainda havia a prestação do apartamento (fora o condomínio, claro). O jantar a luz de velas na casa nova foi um presente bem romântico, sem dúvidas.

Em julho, a menina do casal nasceu com mais de quatro quilos, branca como leite e carequinha. Desde o primeiro minuto em que a viu, Sônia percebeu que a amaria e se preocuparia com ela pelo resto da vida. Realmente ser mãe era uma experiência única e merecia até mais do que um dia como homenagem.

No ano seguinte, a jovem mamãe aguardava flores e bombons, e até alguma jóia como mimo de Dia das Mães. Qual não foi sua surpresa ao ver o grande embrulho retangular entrar pela porta do quarto, empurrado pelo homem da sua vida!

Sônia rasgou o papel de presente com ansiedade e seu sorriso se desfez no momento em que leu a palavra “aspirador”. Diante dela estava o mais novo modelo de aspirador do mercado, aquele que limparia todo o seu apartamento, “deixando-o confortável para toda família”.

É, nem lembrando do comercial da televisão ela se animava com aquela “homenagem”.

Como o aspirador foi muito caro, Sônia ganhou de aniversário mais um jantar em casa, mas sem luz de velas. Apesar de menos romântico, ela deveria ter curtido mais aquele momento, pois, nos anos seguintes, nem o jantar ela ganharia mais.

Máquinas de lavar roupas, lavar louças, secar roupas. Fogões, geladeiras, conjuntos de panelas. Ferros de passar, liquidificadores, batedeiras. Em todo Dia das Mães, seu marido seguia a grande idéia de aproveitar a data para equipar a vida domiciliar.

Quando a filha do casal completou quinze anos, criou uma consciência de que o presente para o Dia das Mães era de sua responsabilidade. Guardou boa parte da mesada até o ano seguinte e comprou de presente um lindo jogo de lençóis para a cama do casal. Era a primeira vez que ela presenteava a mãe gastando seu próprio dinheiro, não tinha como Sônia não ficar emocionada.

Mas sim, talvez tenha sido um erro não dar dicas à menina para os anos seguintes. Talvez por isso tenham chegado as mãos de Sônia mimos como jogos de toalhas para banho, para mesa de jantar, conjuntos de xícaras de café e chá para o dia a dia... Quando a filha fez vinte anos e entregou à mãe um jogo de sobremesa como presente atrasado do Dia das Mães, Sônia teve que ser sarcástica.

- Obrigada, filha! Eu não tinha mesmo comprado nada pra você de aniversário, e esse jogo vai ser bem útil para você tomar seus sorvetes!

Sem compreender, a filha de Sônia saiu chateada do quarto da mãe.

- Ah! Cansei de ganhar coisas pra casa! Todos esses anos e não ganho um presente pra mim, como pessoa, como mulher! Chega!

No ano seguinte, pela primeira vez em muito tempo, Sônia viu seu marido e sua filha entrarem com pacotes pequeninos no quarto, na manhã do Dia das Mães. Sua imaginação trabalhou freneticamente na esperança de haver jóias dentro daquelas caixinhas, ou até cartões de vale-compras para diversas lojas de algum shopping center.

Ela puxou vagarosamente o laço de fita do pacote entregue pela filha. Abriu o papel de presente sem rasgar nenhum pedacinho. Na tampa da caixinha quadrada, havia a foto de um pato de cristal. Ganhara da menina um enfeite para a mesa de centro da sala.

- Você gosta tanto dessas coisinhas, achei que seria um bom presente...

Sim, era um ótimo presente... Afinal, devia ter custado uma nota... Esses mimos de cristal eram caríssimos... E ela realmente gostava de enfeitar a mesa de centro da sala com peças delicadas assim... Mas, por que não se sentia satisfeita?

No pacote que o marido entregou, havia um vasinho de cristal, um pouco maior do que o pato. A homenageada do dia sorriu para os dois e os abraçou, porém eles perceberam que ainda não haviam acertado.

Mais um ano se passou e chegou mais um Dia das Mães. Na televisão, os comerciais das lojas de eletrodomésticos lembravam todos os presentes que Sônia ganhou desde a gravidez. Os costumes mudaram com o tempo, menos o de ver as mulheres apenas como donas de casa, as rainhas do lar!

A campainha tocou insistentemente e, como ninguém atendia, Sônia foi ver quem era. Pelo olho mágico, viu o entregador com uma cesta enorme, cheia de guloseimas. Foi gostoso se fartar de pães e doces em seu dia, mas a mamãe Sônia engordou um quilo depois daquele caprichado café da manhã e jurou nunca mais aceitar comida como presente.

Pai e filha juraram que a próxima tentativa seria a última. Enfrentaram o shopping lotado na véspera do Dia das Mães. Sônia e a filha costumavam ter o mesmo gosto para roupas, então não foi difícil escolher as peças. Eles foram dormir ansiosos pela manhã de domingo.

O marido de Sônia entrou no quarto pela manhã carregando uma bandeja. Havia preparado o café da manhã para a esposa, porém sem metade dos exageros do ano anterior. Ele e a filha combinaram de esperar algumas horas para dar os presentes.

Quando chegou o momento, Sônia abriu o maior sorriso ao ver as sacolas da sua loja favorita. Seus olhos brilharam ao ver as blusas que ganhou. Agradeceu sinceramente aos dois amores de sua vida.

Alguns meses depois, a jovem pediu a mãe uma roupa emprestada para ir a uma entrevista de emprego. Ela buscava uma nova oportunidade para sua carreira. Sônia imediatamente ofereceu uma das blusas que ganhara no Dia das Mães. As peças ainda estavam com as etiquetas.

Sônia não havia usado os presentes e nunca iria usar. Depois de alguns empréstimos, as blusas passaram a ficar guardadas no armário da filha, sem volta para o guarda-roupas da mãe. O marido não conseguia entender o que houve de errado.

- Eu adorei as blusas, amor! Mas elas ficam ótimas na nossa menina, não ficaram tão bem em mim. Preciso sempre eu mesma experimentar antes de comprar, não tem jeito. Não fique triste, por favor!

Mas não adiantava explicar. Naquele momento, o marido desistia de vez de tentar agradar materialmente a esposa.

- Pai, tive uma idéia pra esse Dia das Mães... – cochichou a menina.

Sônia acordou na manhã do novo domingo de comemoração esperando ver algum embrulho nas mãos da filha. Contudo, ela segurava apenas um envelope.

- Desculpa, mãe... Aquela oportunidade não rolou e também estou completamente dura esse mês. Mesmo assim, tudo que escrevi aí, é de coração...

A carta tinha seis páginas. Boa escritora, a jovem tinha feito um conto com os melhores momentos vividos entre mãe e filha. Ao final da leitura, Sônia tinha os olhos marejados.

- Esse foi o presente mais lindo que já ganhei em toda a minha vida!

Sônia mostrou o presente para as amigas, para os primos, para o pessoal do escritório e para sua mãe. Essa última chorou de emoção e, então, reclamou.

- Minha neta deve te amar muito mesmo... Eu não tenho tanta sorte, porque minha filha sempre preferiu presentear a casa...

Sem compreender, Sônia foi embora, chateada. No caminho, pensou que seria bom encomendar uma cesta de café da manhã de presente para alegrar a mãe.

Thursday, April 13, 2006

Casamento através dos tempos

Sertão da Bahia, final do século XIX. Regilene cumpria sua rotina indo, no lombo do jegue, buscar água na fonte. Estava enchendo o segundo pote de barro quando um sujeito se aproximou, segurando o chapéu de palha junto ao peito.

- Menina, quer casar comigo?

Ele não era seu namorado. Sequer a conhecia. Regilene sorriu para o moço, mas não respondeu. Voltou alegre para casa, cantarolando no lombo do jegue.

- Mãinha! Mãinha! Fui pedida em casamento! – entrou gritando na cozinha.

Regilene contou como foi o encontro. Além disso, ela só sabia o nome do rapaz.

A mãe da moça ensaiou alguns dias para contar a novidade ao marido. Quando tomou coragem, foi procura-lo na pequena roça, próxima a casa.

- Zé, a menina foi pedida em casamento.

O pai de Regilene perguntou duas vezes o nome do sujeito, para não esquecer. Um dia, na feira da cidade, encontrou o pretendente da filha.

- Rapaz, você trabalha?

- Trabalho sim, senhor.

- Hum... Mas eu tô precisando de sua ajuda lá na minha roça...

Dessa forma, “seo” Zé poderia observar o moço de perto.

- Aceito.

Durante as manhãs, “seo” Zé e o pretendente trabalhavam na roça desde o alvorecer. O sujeito respondia a todas as perguntas do futuro sogro sobre sua infância, educação, família e intenções. Na parte da tarde, ele fazia a roça e a casa para sua futura família – condição essencial para o pai da moça conceder a mão da filha.

O sujeito escolhia os troncos das árvores mais resistentes. Amarrava as varas com cipó, para formar as paredes. Revestiu todas elas com uma mistura de barro e bosta de boi. Quando terminou de cobrir a nova casa com cavaco*, chamou o pai para conversar com “seo” Zé.

- Seu filho pediu a minha menina em casamento. O senhor concorda? – perguntou o pai de Regilene.

- Concordo.

No dia do pedido oficial de casamento, apareceu gente de todos os lugares. “Seo” Zé mandou matar dois bodes e um porco para encher as barrigas dos convidados. Era um grande evento.

O noivo estava entre os amigos, enquanto a noiva aguardava no quarto. Então, o pai de Regilene perguntou ao pretendente se ele realmente queria casar com sua filha. Ele disse que sim. Mandaram chamar a noiva. O pai do noivo perguntou a ela se a moça realmente queria se casar com seu filho. Ela também disse sim. O noivo escolheu uma data para o casamento. Imediatamente, os pais de ambos não concordaram e marcaram a cerimônia para muito antes do previsto pelo rapaz.

Nesse período de espera e preparação, Regilene e o noivo não se viram nenhum dia. Ela sonhava com ele e imaginava a casa nova e o dia do casamento. Ele sonhava com a lembrança dela, linda, buscando água na fonte com os potes de barro.

O dia do casamento chegou. O noivo emocionou-se ao ver Regilene ainda mais bonita entrando na igreja vestida de noiva. Ela irradiava felicidade. E, depois da festa, o novo casal partiu para a rotina que os faria se conhecerem melhor.

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Sertão da Bahia, início do século XXI. Regilene cumpria sua rotina vindo, de ônibus, visitar os pais no mês de janeiro. Estava juntando sua bagagem quando um sujeito apareceu na porta de acesso ao corredor dos passageiros.

- Alguém vai descer aqui em Barra do Mendes?

Era o motorista do ônibus. Regilene não respondeu, apenas seguiu com a bagagem pelo corredor. Ele a ajudou a carregar tudo para fora do veículo.

- Oi, mãinha! Sim, essa barriga é de gravidez! Vem aí o terceiro menino! – disse ao abraçar a mãe.

Os pais de Regilene não conheciam o marido dela. A moça mudou-se para São Paulo há pouco mais de três anos, em busca de melhores condições de vida. Logo no primeiro mês, apaixonou-se por um rapaz da capital e se encontrava com ele todo dia. Em pouco tempo, foi morar com ele e começou a ter filhos, sem qualquer aprovação da família. Ela, o marido e as crianças moravam de aluguel em um barraco de uma boa comunidade. O marido fazia alguns bicos e ela trabalhava como garçonete em um pequeno bar.
*cavaco: tiras de casca de pau