Thursday, April 13, 2006

Casamento através dos tempos

Sertão da Bahia, final do século XIX. Regilene cumpria sua rotina indo, no lombo do jegue, buscar água na fonte. Estava enchendo o segundo pote de barro quando um sujeito se aproximou, segurando o chapéu de palha junto ao peito.

- Menina, quer casar comigo?

Ele não era seu namorado. Sequer a conhecia. Regilene sorriu para o moço, mas não respondeu. Voltou alegre para casa, cantarolando no lombo do jegue.

- Mãinha! Mãinha! Fui pedida em casamento! – entrou gritando na cozinha.

Regilene contou como foi o encontro. Além disso, ela só sabia o nome do rapaz.

A mãe da moça ensaiou alguns dias para contar a novidade ao marido. Quando tomou coragem, foi procura-lo na pequena roça, próxima a casa.

- Zé, a menina foi pedida em casamento.

O pai de Regilene perguntou duas vezes o nome do sujeito, para não esquecer. Um dia, na feira da cidade, encontrou o pretendente da filha.

- Rapaz, você trabalha?

- Trabalho sim, senhor.

- Hum... Mas eu tô precisando de sua ajuda lá na minha roça...

Dessa forma, “seo” Zé poderia observar o moço de perto.

- Aceito.

Durante as manhãs, “seo” Zé e o pretendente trabalhavam na roça desde o alvorecer. O sujeito respondia a todas as perguntas do futuro sogro sobre sua infância, educação, família e intenções. Na parte da tarde, ele fazia a roça e a casa para sua futura família – condição essencial para o pai da moça conceder a mão da filha.

O sujeito escolhia os troncos das árvores mais resistentes. Amarrava as varas com cipó, para formar as paredes. Revestiu todas elas com uma mistura de barro e bosta de boi. Quando terminou de cobrir a nova casa com cavaco*, chamou o pai para conversar com “seo” Zé.

- Seu filho pediu a minha menina em casamento. O senhor concorda? – perguntou o pai de Regilene.

- Concordo.

No dia do pedido oficial de casamento, apareceu gente de todos os lugares. “Seo” Zé mandou matar dois bodes e um porco para encher as barrigas dos convidados. Era um grande evento.

O noivo estava entre os amigos, enquanto a noiva aguardava no quarto. Então, o pai de Regilene perguntou ao pretendente se ele realmente queria casar com sua filha. Ele disse que sim. Mandaram chamar a noiva. O pai do noivo perguntou a ela se a moça realmente queria se casar com seu filho. Ela também disse sim. O noivo escolheu uma data para o casamento. Imediatamente, os pais de ambos não concordaram e marcaram a cerimônia para muito antes do previsto pelo rapaz.

Nesse período de espera e preparação, Regilene e o noivo não se viram nenhum dia. Ela sonhava com ele e imaginava a casa nova e o dia do casamento. Ele sonhava com a lembrança dela, linda, buscando água na fonte com os potes de barro.

O dia do casamento chegou. O noivo emocionou-se ao ver Regilene ainda mais bonita entrando na igreja vestida de noiva. Ela irradiava felicidade. E, depois da festa, o novo casal partiu para a rotina que os faria se conhecerem melhor.

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Sertão da Bahia, início do século XXI. Regilene cumpria sua rotina vindo, de ônibus, visitar os pais no mês de janeiro. Estava juntando sua bagagem quando um sujeito apareceu na porta de acesso ao corredor dos passageiros.

- Alguém vai descer aqui em Barra do Mendes?

Era o motorista do ônibus. Regilene não respondeu, apenas seguiu com a bagagem pelo corredor. Ele a ajudou a carregar tudo para fora do veículo.

- Oi, mãinha! Sim, essa barriga é de gravidez! Vem aí o terceiro menino! – disse ao abraçar a mãe.

Os pais de Regilene não conheciam o marido dela. A moça mudou-se para São Paulo há pouco mais de três anos, em busca de melhores condições de vida. Logo no primeiro mês, apaixonou-se por um rapaz da capital e se encontrava com ele todo dia. Em pouco tempo, foi morar com ele e começou a ter filhos, sem qualquer aprovação da família. Ela, o marido e as crianças moravam de aluguel em um barraco de uma boa comunidade. O marido fazia alguns bicos e ela trabalhava como garçonete em um pequeno bar.
*cavaco: tiras de casca de pau

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Otimo conto gata... Um retrato da "evolução" da cabeça do povo...

8:05 AM  

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