Friday, March 31, 2006

Num sei não

Inocêncio nasceu na casa simples de chão batido da família. Quando a parteira disse a José Antônio que era um menino, o homem pulou tanto de alegria que assustou as crianças presentes na sala.

Zé Antônio, como era conhecido no povoado, dividia o casebre com a família de seu irmão mais velho. Este tinha seis filhos, dois meninos e quatro meninas, na faixa dos dois aos sete anos. A primeira filha de Zé Antônio tinha três anos. Sua esposa demorou a engravidar novamente e, agora, dava luz ao menino que o marido tanto quis desde o casamento.

- Esse ainda vai ser o cabra mais importante do país!

Com sete anos, Inocêncio já se dividia entre as tarefas na roça e os deveres da escola. Enquanto o pai e o tio trabalhavam nas fazendas próximas para garantir o sustento das duas famílias, Inocêncio e os primos cuidavam da subsistência no pedacinho de terra próximo ao casebre.

- Ô, Nocênçu? Por causa de quê ocê é que dá as ordem pro seus primo? – perguntavam os colegas da escola.

- Num sei não...

A ambição de Zé Antônio o tornava “puxa-saco” oficial do coronel Adamastor, seu patrão. O lavrador, no final do dia, sempre passava no escritório para cumprimentar o coronel, falar da plantação e contar sobre o crescimento de seu filho. Tanto discursou que convenceu o patrão a trazer o menino para a fazenda.

Adamastor gostou de Inocêncio, então com dez anos, e o colocou para trabalhar como seu “garoto de recados”. Logo julgou o menino ingênuo e acreditou que ele jamais lhe causaria transtornos, pois fazia tudo o que e como o patrão mandava.

O coronel além daquela plantação no nordeste tinha uma fábrica no sudeste do país. Esta última vinha causando algumas dores de cabeça, devido a pouca obediência dos funcionários. Um dia, Inocêncio entregou um recado a Adamastor sobre a conduta de dois operários da fábrica.

- Por que esses operários nunca estão satisfeitos?

- Num sei não... – respondeu Inocêncio.

Adamastor olhou para ele por alguns minutos. No fim do dia, já tinha tudo providenciado para a ida de Inocêncio ao sudeste.

Quando os primos lhe perguntaram como ele conseguiu essa chance, Inocêncio apenas respondeu:

- Num sei não...

Aos doze anos, Inocêncio foi morar na região mais próspera do país. Coronel Adamastor o colocou como um “faz-tudo” na fábrica, para começar. O menino pagava contas em bancos, levava documentos para outras empresas e até distribuía panfletos promocionais nos finais de semana. Em seis meses, ele largou de vez os estudos. O trabalho era prioridade.

Mesmo menor de idade, Inocêncio tornou-se operário aos dezesseis anos. Ficou famoso entre os colegas pela sua influência com o dono da fábrica. Aos dezoito anos, foi nomeado líder do Sindicato dos Operários.

- Inocêncio, como de funcionário exemplar, considerado quase como um filho para mim, você foi se tornar o principal negociador desses rebeldes? – perguntou Adamastor com mais curiosidade do que decepção.

- Num sei não...

O movimento sindical cresceu e chamou a atenção da mídia. Aproveitando a publicidade, os discursos de Inocêncio e seus companheiros ganharam um tom político. Iam além das reivindicações para a fábrica, com críticas a prefeitura da cidade e ao governo do estado.

No dia da fundação do Partido dos Operários, a repórter perguntou a Inocêncio:

- Como o senhor conseguiu se tornar presidente de um partido político aos vinte e dois anos?

- Num sei não...

E o presidente do PO continuou cumprimentando os convidados.

Vinte anos depois, tendo elegido deputados, senadores e governadores, o PO finalmente apresentou o candidato e elegeu o presidente da República. Inocêncio assumiu o governo aos quarenta e dois anos, alegando não saber porquê foi escolhido pelo partido.

Em um primeiro momento, o país viveu a euforia de ter um presidente que nasceu pobre como a maioria da população, sem muito estudo, mas que chegou ao topo. Um exemplo para tantas pessoas que viviam sem esperança.

No entanto, os sinais da volta da descrença não tardaram. Foi divulgada uma denúncia de corrupção no segundo ano do mandato. O ministro da Agricultura havia desviado dinheiro para benefício de negócios particulares. Esse ministro era o velho coronel Adamastor.

- Presidente, o senhor sempre considerou o Coronel Adamastor como um segundo pai. O senhor sabe de onde veio o dinheiro que expandiu as plantações do ministro na região central do país?

- Num sei não...

Adamastor perdeu o cargo e os direitos políticos. Mas o governo não teve sossego. Justino, um dos fundadores do PO, e então ministro da Defesa, também estava sendo acusado de corrupção, assim como o tesoureiro do PO, Sebastião. Inocêncio continuava respondendo:

- Num sei não...

Os partidos de oposição se uniram e convocaram a população. Em pouco tempo, o presidente foi deposto. Um dos repórteres que aguardavam a saída de Inocêncio do palácio ainda perguntou:

- Como o senhor explica a sua queda depois de uma eleição tão festejada?

- Num sei não...

Os canais de televisão quiseram, então, falar do homem que nunca soube de nada. Todos os programas contaram a mesma história do nascimento até a deposição presidente, exceto um. O apresentador deste terminou sua matéria com o pai de Inocêncio. O velho Zé Antônio, em close na tela, com uma expressão de orgulho e malícia, participou fazendo uma única pergunta:

- E você acredita em tanta inocência?

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

ÓTIMO!!! UMA PRECIOSIDADE!!!

POIS É... EU NÃO OUVI ESSA HISTÓRIA EM ALGUM LUGAR??? EM NOTÍCIAS DE ALGUM OUTRO PAÍS DO MUNDO, EU ACHO... PEROBA NELES!!!

4:23 AM  
Anonymous Anonymous said...

Po, o Thiago roubou meu comentário. Mas acho q essa história eh familiar a de um Pais de 3 mundo da America Latina não eh!? ou não?! Mas tudo bem, a eleição esta "longe" mesmo, ate la a massa ja esqueceu mesmo, então não tem problema

7:49 AM  

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