Friday, December 02, 2005

Prédio novo

Ivan comprou seu novo apartamento quando o projeto ainda estava na planta. O valor total foi financiado pelo banco em duzentos e quarenta meses. Valia o sacrifício: iria se casar com Lílian e formar sua família em uma casa própria.

Atualmente, o edifício está quase pronto e Ivan chamou sua amiga Beatriz para conferir o interior do imóvel. Ela será a responsável pelo projeto de decoração do novo lar. Outros dois amigos de Ivan, Felipe e Ludmila, ofereceram-se para ir junto, apenas porque estavam muito curiosos para conhecer o local.

É um sábado ensolarado e Ivan resolve ir logo cedo ao endereço. Felipe e Ludmila ficam admirados com a claridade e o espaço do apartamento, no décimo primeiro andar. Beatriz anota algumas medidas e discute idéias com Ivan. Quando acaba a visita, todos ajudam a fechar as janelas e, ao saírem, entram em um dos dois elevadores parados no andar.

Quando a porta se fecha, o elevador despenca. Em pânico, Ivan tenta se apoiar nas paredes. Ludmila fica pálida e treme o corpo todo. Beatriz perde o equilíbrio e cai sentada no chão. Mas, em vez de mostrar medo, ela começa a rir dela mesma e, principalmente, de Ivan e de Ludmila. Felipe a acompanha nas gargalhadas.

- Ai, meu Deus, esse negócio não vai parar! E você, pára de rir, Bia! – grita Ivan.

- Eu... (risos)... eu não consigo... (risos)... a sua cara... (risos)

Em pensamento, Ludmila reza: “Ai, meu Deus! Me tira daqui! Faz esse elevador parar!”

De repente, o elevador dá um tranco violento e pára. Ludmila agradece: “Obrigada, meu Pai!”. Ivan corre desesperado para a porta. Beatriz ainda está sentada no chão, tentando parar de rir. Felipe age com a maior naturalidade.

- Calma, relaxa, pessoal! O elevador só quebrou, não tem nada demais! É tão normal...

- Normal? Cala a boca, Felipe! Preciso dar um jeito de abrir essa porta! Socorro! – grita Ivan.

- Vou tentar o interfone! Alô, quem fala? Lúcia? Lúcia, aqui é Ludmila, eu e meus amigos estamos presos aqui no elevador social. O elevador despencou e agora parou. Precisamos sair daqui depressa! – fala rapidamente Ludmila.

- Desculpa, mas eu não posso ajudar agora. Não posso deixar a sala vazia, podem aparecer clientes. – responde Lúcia, a corretora de imóveis de plantão no prédio.

- O quê? Lúcia, você não entendeu! Nós precisamos de socorro, urgente! O elevador pode cair novamente e...

- Ora, não há perigo. Vocês nunca ficaram presos em elevador? Daqui a pouco conserta e vocês saem daí.

- Como conserta? Sozinho? Por mágica? O elevador não quebrou simplesmente, ele despencou, Lúcia! Des-pen-cou! Você está entendendo? – Ludmila agora treme de nervoso.

- Sinto muito, mas já disse que não posso fazer nada.

- Não é possível! – Ludmila mostra-se completamente exaltada - Que espécie de serviço vocês querem oferecer aqui se quando o cliente fica preso em um elevador ele não tem atendimento? Pelo amor de Deus!

- É só isso, senhorita Ludmila? Eu realmente não posso ajudar nessa questão, preciso voltar ao meu trabalho.

- É, é só isso! Obrigada por nada! Vocês acabaram de perder uma possível compradora e vários outros comigo!

Ludmila desliga o interfone tremendo e lacrimejando de nervoso.

- Não fica assim não, Lud! Deixa essa Lúcia pra lá! Tá tudo bem aqui! – Felipe consola Ludmila enquanto a abraça.

- Cara, em que mundo você vive? – diz Ivan, impaciente, e começa a bater na porta do elevador – Ei? Tem alguém aí? Socorro!

- Seu Raimundo! Seu Raimundo! – Beatriz resolve chamar pelo porteiro.

No térreo, Raimundo está sentado diante de uma mesa de madeira e tenta ajustar a sintonia do seu rádio à pilha. De repente, ouve gritos vindos do corredor dos elevadores.

Ao colar o ouvido na porta fechada do elevador social, Raimundo escuta duas vozes conversando lá dentro. O homem está nervoso, reclamando da qualidade do equipamento, enquanto a mulher parece muito tranqüila, rindo de todas as reações tensas do rapaz.

Raimundo aperta o botão para chamar o elevador e ele não acende. Decide, então, perguntar a dupla que está lá dentro:

- Tá acontecendo argum pobrema aí? Ei? Argum pobrema? Num pode segurá o elevadô não...

- Raimundo, finalmente! – comemora Ivan – Nós estamos presos aqui! O elevador caiu!

- Caiu? Caramba! Vô chamá já a ajuda! Pode esperá aí sossegado, seu Ivan! Tenho o telefone na gaveta lá da mesa. Vorto já!

- Obrigada, Raimundo! – grita Beatriz.

Enquanto Raimundo telefona, Ivan anda de um lado para outro dentro do elevador.

- Por favor, hein, Ivan! Que vergonha um futuro pai de família com chilique dentro de um elevador!

- Ah, Bia, não enche! É um perigo isso aqui! Um elevador novo despencar desse jeito!

- É por essas e outras que eu odeio elevador! – declara Ludmila.

- Você não queria que a gente descesse onze andares de escada, né? Fala sério... – comenta Felipe revirando os olhos.

- Pelo menos não estaríamos nessa situação!

- Você devia ter subido de escada também, então!

- Devia mesmo! Tô acostumada mesmo!


- É, eu sei, eu sei! Vocês acreditam que a Lud sobe quatro andares de escada todo dia lá no escritório? Não usa nunca o elevador!

- Claro, bastou usar uma vez para aquela porcaria me deixar presa!

- Ih, Lud, então foi você quem deu azar pra gente! – responde Beatriz, gargalhando.

- Nossa, Beatriz, qual é o seu problema? Pára de rir! Precisamos dar um jeito de sair daqui! Esses freios não vão agüentar segurar essa caixa aqui por muito tempo... – argumenta Ivan.

- Eu bem disse que você estava precisando perder uns quilinhos... – mais risadas de Beatriz, acompanhada por Felipe.

- Seu Ivan! Seu Ivan! – grita Raimundo.

- Finalmente, Raimundo! Já pode nos tirar daqui?

- O sinhô e os seus amigo vão precisá esperá mais uns vinte minutinhu.

- Vinte minutos?! – espanta-se Ivan.

- É! Isso!

- Mas isso é um absurdo! Vou abrir essa porta agora mesmo!

- Num pode, seu Ivan! O sinhô num pode quebrá o elevadô! O prédio é novo!

- Raimundo, o elevador já está quebrado! E eu vou sair daqui agora!

Beatriz continuou rindo do desespero de Ivan.

- Relaxa, amigo! Vinte minutos passam depressa. Senta aí!

- Como você pode achar tudo normal?

- Ué, adianta se desesperar?

- Vou abrir essa porta!

- Seu Ivan, já falei! O sinhô num pode quebrá o elevadô! Num podemo ficá sem elevadô!

- Dê um jeito você então de abrir essa porta, Raimundo!

- Eu não! Deus o livre! Num sô de quebrá coisa dos otro não! A moça disse direitinho: aguarde vinte minuto!

- Que moça? – perguntou Ludmila.

- A moça que atende o telefone da moça que vende os elevadô. Tenho o cartão da moça que vendeu os elevadô pra firma que feiz o prédio, porque ela esqueceu na sala da dona Lúcia quando veio visitá ela. Elas são amiga e...

- Raimundo! – interrompe bruscamente Ivan, tentando controlar sua tensão – O que foi que essa moça disse? Melhor: o que você perguntou?

- Ué, perguntei da moça que vende os elevadô, e ela tava em reunião, aí a moça do telefone falô pra esperá vinte minuto e ligá de novo!

- Pelo amor de Deus, Raimundo! Esse elevador despencou! A empresa que fabrica essa droga só deve ser processada! E a tal moça que vende elevadores não vai poder ajudar em muita coisa! Faz o seguinte: liga para os bombeiros, entendeu? Para os bom-bei-ros!

Beatriz e Felipe riem das trapalhadas de Raimundo. Ludmila está tão irritada quanto Ivan.

- Mas seu Ivan, se o elevadô tá com pobrema, a moça da firma tem que resorvê!

- Chega! Essa porta vai ter que abrir! O pessoal dessa empresa só deve vir amanhã, se vier!

E não adianta o Raimundo protestar: Ivan força tanto a porta que a quebra. Em sua frente, uma parede cobre a maior parte da passagem para o térreo, deixando apenas uma pequena abertura na parte de cima. Beatriz levanta imediatamente e faz Ivan a ajudar a sair primeiro. Ludmila vai em seguida e Ivan sai antes de Felipe. Raimundo, em vez de ajudar, fica assistindo a cena, rindo da situação dos quatro jovens.

- O sinhô é doido, seu Ivan! E se o elevadô cai bem na hora que o sinhô tá saindo? Corta o sinhô no meio!

- Muito engraçado mesmo! Se dependesse de você, não sairia nunca dessa droga! Sai da minha frente!

Em poucos dias, Ivan convoca uma reunião de condomínio com os poucos proprietários dos novos apartamentos. Sua idéia era propor a troca da empresa responsável pelos elevadores e a substituição de Raimundo. Mas ninguém comparece. Como nenhum deles se mudou para o prédio ainda, pensaram que era trote.

Quando Ivan fica preso novamente no mesmo elevador por causa de outra falha no sistema, resolve vender o apartamento para Beatriz e comprar algo em um prédio antigo mesmo para sua futura família.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

DEU VONTADE DE ENTRAR DENTRO DESSE... rsrs

9:39 AM  

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