Friday, December 02, 2005

Perigo

A assassina entrou vagarosamente na casa. Não teve dificuldade nenhuma para abrir o portão da frente e a porta de entrada. Qualquer criminoso sabe abrir fechaduras e cadeados sem precisar arromba-los.

Ela observou uma certa desordem na sala. Entre as almofadas largadas no chão, havia alguns álbuns de fotografias. A assassina pegou um dos álbuns e observou a primeira foto. Era o seu alvo, a jovem Alice, diante de uma mesa com bolo e brigadeiros, em sua mais recente festa de aniversário.

Deixando o álbum em cima do sofá, a assassina caminhou silenciosamente até a cozinha. Preferiu não acender a luz. A luminosidade da rua entrava pela janela e era suficiente. Ela pegou um dos copos que secavam em cima da pia e abriu a geladeira. Suas atividades na rua a deixavam com muita sede e gostava de beber água sempre bem gelada.

Alice abriu uma pequena fresta na porta de seu quarto. Era possível ver, através do corredor, que havia luz acesa na cozinha. Arriscou-se mais. Abrindo a porta, colocou a cabeça para fora do quarto e viu parte das costas de uma mulher e a geladeira aberta.

A assassina terminou de tomar seu copo d’água, colocou a garrafa em seu lugar e fechou a geladeira. Alice rapidamente voltou para dentro do quarto e encostou a porta devagar.

Com o coração disparado e tentando controlar a respiração ofegante, Alice encostou-se na parede e raciocinou sobre a situação. Poucos minutos antes havia escutado o tiro. O barulho veio da casa de seu vizinho, o senhor Nestor, que morava apenas com alguns cachorros e o papagaio. “Pobre senhor Nestor!” – pensou a jovem.

No momento do tiro, passando o choque inicial, ela se lembrou de que precisava fugir ou se esconder. Quando levantou da cama, ouviu o barulho da fechadura da porta da sala. Alice, então, preferiu ficar escondida no quarto mesmo.

Na cozinha, depois de tomar seu copo d’água, a assassina encontrou um pacote de velas aberto. Pegou um pires no escorredor de pratos e o colocou em cima da mesa. Com seu isqueiro, acendeu a vela. Então, fez o sinal da cruz.

Alice olhou para a janela de seu quarto. Sua casa era térrea, não haveria problemas se ela pulasse para o quintal.

A veneziana correu muito devagar. Alice suava e prendia o ar, como se esse cuidado ajudasse a não fazer barulho. Inspirou profundamente quando acabou a tarefa de abrir a janela. Sentou-se no parapeito. Passou as duas pernas para o outro lado. Pensou em pular, mas o som do impacto de seus pés sobre o chão despertaria a atenção da mulher. Virou-se de lado e foi jogando o peso do corpo nos braços, até ficar pendurada com as mãos no parapeito. Levemente, escorregou para o chão do quintal. Inspirou novamente. Viu na janela ao lado a pequena claridade com que a chama da vela iluminava a cozinha.

A assassina apagou o cigarro que estava fumando e seguiu vagarosamente em direção ao corredor de acesso aos quartos. Parou diante da porta do quarto de Alice. Observou que a porta estava apenas encostada e procurou não emitir som algum enquanto a empurrava.

Alice andava a passos largos em direção ao muro dos fundos da casa. De repente, ouviu que algo vinha em sua direção rapidamente. Parou por um momento e olhou para trás.

Enquanto isso, a assassina abria a porta do quarto. Deparou-se com o ambiente vazio. Sentiu o vento que vinha da janela aberta. Nesse momento, ouviu um latido agudo vindo do quintal.

O poodle veio correndo em direção a Alice. Encostada no muro, ela sentia vontade de pega-lo pelo pescoço e força-lo a parar de latir. O pequeno cachorro a alcançou e continuou rosnando enquanto pulava nas pernas dela.

A assassina correu para a janela e viu Alice e o poodle. Alice lembrou-se que havia uma porta na cozinha que também dava acesso ao quintal. Tentou desesperadamente achar um apoio para que pudesse subir no muro e pular, enquanto chutava o cachorro. Ouviu o barulho da chave abrindo a porta da cozinha e começou a gritar por socorro.

Calmamente, a assassina veio andando em direção ao seu alvo. Alice não olhava em direção a ela, apenas tentava subir no muro e gritava com o poodle, que agora mordia a ponta da sua calça de pijama.

Fechou os olhos e foi sentindo a mulher se aproximar. A assassina parou atrás de Alice. Essa última cobriu a cabeça com os braços e se curvou levemente. A mão da assassina se aproximou devagar das costas de seu alvo.

- Alice?

A garota tremia dos pés à cabeça.

- Não me mate, por favor! Não me mate!

O cachorro havia sentado do lado das duas e observava a cena.

- Alice? Alice?

A moça abriu os olhos. Abaixando os braços, foi olhando em direção a mulher. Empalideceu de susto.

- Mãe! – exclamou Alice.

- Minha filha, o que está acontecendo com você?

O cachorro latiu. Alice olhou para ele. Era o seu poodle Feroz.

- O que está acontecendo? Mas eu ouvi um tiro... E alguém entrou aqui... E tinha um cachorro estranho... – Alice pensava em voz alta, confusa.

- Ué, você não lembra? Eu avisei que chegaria do trabalho mais tarde hoje. Quem você pensou que era?

Ainda um pouco tonta, Alice abraçou a mãe. As duas caminhavam para dentro de casa quando ouviram um barulho de tiro. Alice jogou-se no chão, apavorada.

- Ai, o seu Nestor com esses fogos... Que é isso, Alice? Levanta daí! Você não está bem, minha filha... Venha! Imagina você que vieram todos os fogos com problemas. Ele devia parar de testa-los a essa hora da noite e deixar para reclamar amanhã na loja.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home