Friday, November 24, 2006

Morro de São Paulo – 6º dia

Sábado, sete horas da manhã. Com decepção, abri a janela do quarto e observei a chuva caindo do lado de fora. Mesmo assim, não desanimei e fui me despedir das águas da Segunda Praia.

Apenas alguns cachorros da vila passeavam na areia, debaixo da garoa. Segundo o agente de turismo Lucas, a Prefeitura do Município de Cairú enfrentou certa vez o problema da superpopulação canina utilizando veneno. Enquanto eu caminhava até o mar, um vira-lata que lembrava levemente um pastor alemão cismou comigo e até afastou outro cachorro carente que também queria se aproximar. Quando voltei para a pousada, tive que dizer “tchau”, para ele não entrar comigo.

O mesmo rapaz que carregou nossas malas até a pousada no dia da chegada levou nossa bagagem até o Terminal Marítimo na hora da partida. Foi uma surpresa, mesmo com a chuva, encontrar o Terminal tão cheio às 11h de um sábado. Se em baixa temporada Morro de São Paulo tem tanto movimento, imagino na alta temporada. E ainda tivemos outra surpresinha: uma taxa de R$ 0,57 pelo uso do Terminal. Um absurdo, mesmo sendo um valor simbólico, já que a principal via de acesso à ilha é o mar.

As novidades não acabaram aí. Para nós, leigos no assunto, o mar nem parecia tão agitado, porém a Biotur, empresa responsável pelas catamarãs que pagamos, informou que parte do trajeto para Salvador seria por terra. Uma embarcação nos levaria até Valença; de lá, pegaríamos um ônibus da própria Biotur até Itaparica; do terminal de Itaparica, seguiríamos de catamarã até a capital baiana.

O barco simples que nos levou até Valença saiu com quase meia hora de atraso, porém não enfrentou nenhuma dificuldade. Nos olhares dos passageiros, a tristeza de deixar para trás os dias lindos passados em Morro de São Paulo. Rapidamente, chegamos ao local de onde sairiam um ônibus e um micro-ônibus para Itaparica.

Eu e meu marido preferimos a fila rápida próxima ao bagageiro do veículo maior. Além dos dois motoristas, havia apenas uma guia turística da Biotur e ela preferiu acompanhar os passageiros do micro-ônibus.

A estrada era de mão dupla e os poucos carros que passavam por nós abusavam da velocidade. Por ali não chovia e logo nosso motorista acelerou também, a ponto de ultrapassar o micro-ônibus que havia saído alguns minutos antes de nós. Mas sua pressa foi brecada pelo destino. Um barulho estranho do lado direito do ônibus obrigou-o a parar no acostamento. Uma fumaça preta soltou-se com força da parte de trás e assustou os passageiros.

Quando viajei de ônibus a Irecê, também no estado da Bahia, em 2003, vi alguns ônibus queimados na estrada e no estacionamento da empresa responsável. O que encontramos na estrada estava no estado de Goiás. O fogo tomara o veículo de forma tão rápida que não havia dado tempo dos passageiros retirarem suas bagagens. Felizmente, no entanto, ninguém havia se ferido. Segundo um motorista com o qual conversei na época, isso é causado pela falta de manutenção nos ônibus. E o fogo sempre se inicia na roda de trás, do lado direito do veículo.

No caso do nosso ônibus de Valença a Itaparica, o sinal de fumaça foi apenas um susto. Não houve incêndio. E o motorista com certeza não conhecia essas histórias de ônibus queimados, pois demorou a abrir a porta do corredor e liberar os passageiros.

Assim que descemos, retiramos nossas malas do bagageiro e o micro-ônibus nos alcançou. A recusa em seguir viagem naquele ônibus maior foi unânime, ainda mais com um motorista sem noção alguma de mecânica. A guia da Biotur ligou imediatamente para a empresa, então, e solicitou outro veículo.

A preocupação de boa parte dos passageiros era com o atraso para chegar ao aeroporto de Salvador. E aqui dou a primeira dica: nunca marque a catamarã e o vôo em horas muito próximas. Não há como adivinhar os imprevistos. Eu e meu marido estávamos tranqüilos, pois nosso vôo para São Paulo estava marcado para 00h10 e ainda eram 14h. Contudo, boa parte dos turistas que nos acompanhavam perderam vôos naquele dia.

A guia da Biotur, muito atenciosa, mas um tanto afoita, enrolava horrivelmente o portunhol para os estrangeiros. Graças a alguns brasileiros fluentes em inglês, duas holandesas e alguns outros europeus conseguiram avisar que seus vôos sairiam logo e a guia tentou entrar em contato com as companhias aéreas. Ela também pensou em colocar as pessoas com vôos imediatos no micro-ônibus e deixar os outros esperando o novo carro. Por telefone, seu supervisor a fez desistir dessa idéia.

Mais calmos, ríamos de nossa situação. Éramos um grupo grande de pessoas em pé ou sentadas, apoiadas em nossas bagagens, naquele estreito caminho de asfalto. Até cantamos o “Parabéns” para a guia, que nos revelou que nem deveria estar trabalhando no dia do seu aniversário, pois era sua oportunidade de passar mais tempo com a filha. Ela havia tentado trocar com outros colegas a escala do fim de semana, mas não conseguira.

O outro ônibus chegou mais novo e confortável. Aquele com certeza não apresentaria os mesmos problemas de manutenção e seguimos tranqüilos para Itaparica. A guia passou, então, o caminho todo desabafando com o novo motorista e era a única voz que se ouvia dentro do carro, pois a maioria dos passageiros resolvera tirar uma soneca.

Ao chegarmos ao terminal de Itaparica, a chuva veio nos receber. A estratégia de ficar na parte descoberta da catamarã para não enjoar seria utilizada por poucas pessoas no início da viagem; a maioria sentou-se na parte coberta para se proteger. Por um tempo, a navegação parecia tranqüila, apesar da paisagem assustadora do lado de fora – quem não acha assustador chuva fina e neblina em alto mar? Mas quando a agitação das águas fez a pesada catamarã pular, aí nos assustamos de verdade.

O intervalo entre as ondas foi diminuindo, fazendo a catamarã pular mais vez, e os passageiros começaram a enjoar. Alguns esqueciam o chuvisco e iam direto para o lado de fora, outros permaneciam no lugar, respirando fundo, e mal conseguiam levantar. Felizmente, não tenho estômago fraco e só me assustei com o balanço mais forte a medida que a hora passava. No entanto, vi pessoas ali com expressões bem preocupantes. E tive muita pena das crianças.

A guia equilibrava-se por toda catamarã para atender as dúvidas dos passageiros. Ela garantiu a todos que essas eram condições viáveis para a catamarã seguir de Itaparica a Salvador. Um passageiro ainda perguntou sobre os coletes salva-vidas, que não ficavam visíveis na embarcação. Quando ela mostrou os armários nos quais eles estavam guardados, alguns desinformados sobre o início da conversa se assustaram. Mas ela logo esclareceu que apenas estava tirando uma dúvida.

Na parte descoberta da catamarã, sentia-se com menos intensidade o impacto sobre as ondas. Conversei com um dos funcionários responsáveis pela condução da embarcação e, equilibrando-se apenas nos pés, ele me contou que o mar até estava calmo naquele momento. Na noite anterior, quando começou a mudar o tempo, os passageiros chegaram a sujar os dois corredores da parte interna do veículo com o enjôo. Senti mais segurança sobre a nossa situação com esse comentário. Mas realmente não é uma aventura que indico. Se for a Morro de São Paulo e o tempo mudar assim na hora de voltar para casa, procure não sair de lá.

Com a vontade de chegar mais rápido, Salvador nunca pareceu tão longe. Quando finalmente chegamos, mesmo debaixo de garoa, alguns rapazes de roupa social ofereciam serviços de táxi já na ponte de madeira, a caminho do terminal. Eram mais ou menos 16h, 16h30, mas meu marido, cansado das aventuras, quis ir direto para o aeroporto. Aceitamos a oferta de um rapaz e fechamos por R$ 50,00 a ida de táxi ao aeroporto. No meio do caminho até o carro, o rapaz nos indicou a um senhor e este carregou uma das malas até o lado de fora do terminal marítimo. Quando vimos seu Corsa preto com o vidro da porta do passageiro quebrado, a janela coberta com um pedaço de saco plástico preto, retiramos a mala de suas mãos imediatamente. Logo encontramos alguns táxis de uma frota de verdade e seguimos com o taxímetro rodando até o nosso destino.

Segundo nosso motorista, alguns malandros pegam seus carros particulares e estacionam no terminal para fazer um preço fechado até o aeroporto. Ele disse ainda: “Você vai com um desses, paga R$ 50,00, sendo que aqui vai dar uns R$ 52,00, no máximo, e não tem garantia de nada, nem se o cara vai te levar pro aeroporto mesmo, se ele não vai roubar sua bagagem; aí não tem seguro, sendo que, com o táxi da frota, a empresa se responsabiliza, e se o carro quebra eles mandam outro.” Ele tinha razão sobre a segurança, mas também descobrimos que pagamos caro o táxi no dia da chegada, porque aquele motorista do aeroporto também fora malandro ao jogar o preço fechado até o terminal por R$ 75,00. O segredo é não parecer marinheiro de primeira viagem.

Nosso taxista era bem simpático e nos revelou que já havia morado em São Paulo. Ele nasceu em Valença e hoje seus pais moravam em Gamboa, na Ilha de Tinharé. Ele não quis a calmaria do povoado e seguiu para as cidades grandes. Mas preferiu ficar em Salvador depois que morou em São Paulo.

Apesar das notícias de alagamento em Salvador durante aquele sábado, não pegamos muito trânsito até o aeroporto. O taxímetro marcou exatamente R$ 52,00 a corrida, como o motorista havia previsto. Teríamos mais de 6h de aeroporto pela frente.

Há boas opções de alimentação dentro do Aeroporto Luís Eduardo Magalhães. Porém, nós estávamos com saudades do fast food estilo Mc Donald’s e fomos parar no Bob’s. Lá pude tomar um dos melhores sucos de cajá da viagem. Satisfeitos, seguimos passeando pelo Aeroshopping.

As lojas do Aeroporto Internacional são excessivamente atraentes para quem gosta de comprar lembrancinhas de viagem. Pimenta e cocada baiana, chocolates de Ilhéus, muitas e muitas porcelanas (especialmente bonecas baianas e personagens religiosos), objetos feitos com as fitinhas do Senhor do Bonfim, entre outras coisas. Não sentimos as horas passarem.

O embarque estava marcado para as 23h30, mas nas telas próximas aos portões fomos informados da previsão de atraso do nosso vôo. O avião para Guarulhos que deveria decolar as 00h10 talvez saísse entre 00h50 e 01h. Como no Aeroporto de Cumbica no dia do embarque para Salvador, não encontrávamos funcionários da TAM no portão de espera. Já passava da uma e meia da madrugada quando, sentados nas poltronas, ouvimos o piloto informar que a decolagem estava autorizada.

Para evitar áreas de maior turbulência, nosso piloto seguiu uma rota um pouco mais longa para Guarulhos. Cansados, sonolentos e com frio, chegamos em casa com o dia amanhecendo. Um amanhecer bem diferente dos dias no paraíso...

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Seu blogue tá no meu favoritos.
Não que vá ficar rica, já vou dizendo (hehe), mas alguém que nunca viu e nem vai ver gosta da sua retórica.
Comentei no conto "Trambique contra o trambiqueiro", leia lá!

8:38 AM  
Anonymous Anonymous said...

Cheio de estreques no final, como toda viagem inesquecivel hehe. E sem queijo! haha.

11:36 AM  

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