Friday, August 25, 2006

Hora do rush

A poltrona de Karina, no ônibus fretado, é ao lado da janela, no fundo do corredor. De olhos fechados e com a cabeça apoiada no encosto, ela ainda não atingiu o primeiro estágio do sono.

O motorista freia bruscamente em um cruzamento e Karina abre os olhos. Com o coração acelerado pelo susto, ela enruga a testa em uma expressão de raiva. Segundos depois, cruza os braços e se aconchega novamente na cadeira, enquanto o ônibus segue seu caminho.

De repente, algo a desperta do sono leve. Ela não sabe o que foi, mas percebe que está com a boca escancarada. Sem abrir os olhos, une os lábios e inclina um pouco a cabeça para baixo, para evitar a queda do queixo novamente.

O próximo incidente que a atrapalha é uma cabeçada no vidro da janela. Sua testa dói. Pensa em como é vergonhosa a situação. Todos os outros passageiros devem estar rindo de sua cabeçada. No entanto, ela permanece de olhos fechados e apenas inclina a cabeça para o sentido oposto. Por instinto, sente que agora há alguém sentado ao seu lado e envergonha-se ainda mais. O jeito é chegar a um estágio de sono profundo o quanto antes.

Ao lado de Karina está um homem poucos anos mais velho do que ela. Trajando um terno escuro e elegante, ele consulta livros e faz anotações em um caderno com atenção máxima. Só nota os deslizes do descanso de Karina quando a moça encosta a cabeça em seu ombro esquerdo.

Por um breve momento, o executivo sente-se constrangido. Olha para os bancos em frente para checar se ninguém os observa. Não há ninguém olhando para trás, provavelmente por estarem concentrados em seus próprios sonhos e leituras.

Então, o executivo olha para a moça. A expressão de Karina revela um sono tranqüilo. A paz que aquele rosto tão delicado lhe transmite o impede de acorda-la. Sente vontade de tocar naquela pele alva e macia. De protege-la de toda e qualquer interferência externa. Aquele momento poderia durar uma eternidade. Nada mais importaria.

Quando cai em si, o homem está abraçado a passageira desconhecida, fazendo carinhos na cabeça que se acomoda em seu peito, passando os dedos pelos cabelos negros da bela menina. Nesse quadro, a tensão do trabalho não está presente e o barulho do trânsito caótico de São Paulo é imperceptível. O cansado executivo sente-se feliz.

A magia do abraço é quebrada pela hora da despedida. Karina acorda na parada final, próxima a sua casa. Uma sensação estranha a invade. Antes de abrir os olhos, tinha certeza que estava dormindo em sua cama. Nunca atingira um estágio de sono tão profundo no trajeto do ônibus fretado. Ainda zonza, olha para a poltrona vizinha a sua. O lugar está vazio. Caído no chão, um cartão exibe apenas uma palavra: Obrigado.

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