Friday, June 09, 2006

Boneca de vidro

Dona Adelaide não sabia mais o que fazer com sua filha, Maria Clara, de quatro anos. Sempre que levava a menina em suas visitas às amigas, a criança mexedeira quebrava um enfeite da casa.

- Maria Clara, não mexa nessa mesa!

- Eu quero ver...

- Veja com os olhos! Esses objetos em cima dela são feitos de porcelana e, se você derrubar qualquer um deles no chão, vai quebrar.

Mas não adiantava falar. Dona Adelaide olhava para o lado dois segundos e ouvia o barulho do enfeite estilhaçando no chão.

- Mil desculpas, dona Sueli! Essa menina é tão desastrada! – dizia para a amiga e depois apertava o braço de Maria Clara, falando mais baixo – Você me paga!

Algumas amigas de dona Adelaide entendiam que Maria Clara era apenas curiosa, como toda criança. Outras falavam mal, pelas costas, da educação que ela dava a menina.

- Aquela garotinha mexe em tudo! Não pode ver um enfeitezinho! E consegue destruir todos com aquelas mãozinhas desastradas! – dizia uma.

- Olha, que dona Adelaide não nos ouça, mas realmente é um prejuízo toda vez que ela resolve trazer a filha aos nossos cafés da tarde... – comentava a outra.

Maria Clara levava bronca, ficava de castigo, porém sempre quebrava mais alguma coisa na visita seguinte. Um dia, ela fez isso na casa errada. Quem oferecia o café na ocasião era dona Sabrina, uma mulher misteriosa que conhecera dona Adelaide em um curso de numerologia.

- Dona Adelaide, leve sua filha para a sala, por favor – pediu dona Sabrina calmamente.

Quando dona Adelaide saiu com Maria Clara do escritório de dona Sabrina, essa última alterou sua expressão serena. Os olhos cheios de raiva revelavam a bruxa má que tomava conta de sua personalidade. A pequena Maria Clara não teria um castigo leve dessa vez, pois quebrara os pertences de uma poderosa feiticeira.

Com um simples encanto, dona Sabrina transformou Maria Clara em um enfeite de cristal. Dona Adelaide, da noite para o dia, esqueceu-se que tinha uma filha de quatro anos e a bonequinha que brilhava na sua mesa de centro da sala de estar tornou-se seu objeto favorito.

A vingança da bruxa má não parou aí. Chegou o dia em que o café da tarde com as amigas foi marcado na casa de dona Adelaide. Dona Sabrina fez questão de levar seu sobrinho de três anos, Bruno, que viera passar uns dias com ela.

Entediado pela falta da companhia de outras crianças, o menino observava a mesa de centro enquanto as mulheres adultas conversavam. Coruja, urso, ganso, flor... Os cristais tinham as mais variadas formas e eram tão pequenos... De repente, ele a viu. Em um canto da mesa ela brilhava, sentada com as pernas e os braços esticados. Uma boneca, um brinquedo de menina.

Por alguns minutos - que pareceram horas para a consciência de Maria Clara -, a bonequinha de cristal ficou presa no olhar fixo e pensativo da criança que a observava. As mulheres, então, levantaram-se para ajudar a anfitriã a recolher as xícaras e Bruno ficou sozinho na sala. Avançou em direção a Maria Clara.

Com o dedo indicador, ele empurrou de leve a cabeça da boneca, que não podia gritar. O corpinho de cristal cambaleou, mas não caiu. Bruno riu. Colocou mais força na ação, porém o enfeite novamente não caiu. Ele riu mais. Maria Clara queria chorar e não conseguia. Sentiu que iria morrer, que seu corpo seria esquartejado em milhares de caquinhos de vidro.

Quando Bruno partiu com tudo para sua terceira investida, o dedo indicador parou a poucos milímetros da boneca com o som da voz da tia Sabrina.

- Vamos, querido. Há muito mais coisas interessantes lá em casa.

Maria Clara escapou da maldade de Bruno. Contudo, nunca mais teria paz com a possibilidade de ser quebrada.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Que menina, hein???
Espetacular o conto gata... Amei...
Beijão...

10:08 AM  

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