Friday, December 02, 2005

O show

Era noite de quinta-feira. O ônibus estava cheio, mas eu estava sentada. O som do rádio do motorista atraía toda a minha concentração. Eu ia ao show do Paul McCartney no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, e a emissora parecia transmitir ao vivo o evento.

Let it be, Yellow Submarine... Será que o Paul McCartney canta músicas dos Beatles em seu show? Não sei. Não sei nem por que estava com tanta vontade de ir àquele show. Com o som do rádio, eu já me sentia no Estádio. Visualizava Paul cantando aquelas músicas no palco.

Trânsito na avenida. Ninguém conseguia andar em meio aquela multidão de carros e pessoas. Os passageiros desceram ali mesmo, no meio da rua, antes de chegar ao ponto de ônibus. Eu continuei sentada, olhando o grupo caminhar em direção ao Pacaembu.

Minutos passaram e, finalmente, o ônibus voltou a andar. Eu, ainda envolvida pelo som, olhava as coisas acontecerem sem raciocinar sobre elas. Na minha cabeça, apenas algumas perguntas: "Será que é o show ao vivo mesmo no rádio? E eu estou aqui nesse ônibus ainda?". Olhei as ruas pela janela. Não consegui reconhecer nenhuma delas.

De repente, começou a tocar That thing you do. Obedeci a minha vontade de cantar em voz alta, e não mais em pensamento. Aquela canção me tirou do transe e pensei: "Isso é do filme The Wonders, e não dos Beatles! O show não deve ter começado ainda! Mas por que não desci como todo mundo no Pacaembu? O cobrador nem me avisou!".

Puxei a corda e saí, completamente perdida. Não reconheci nada naquele bairro escuro. Não havia ninguém para pedir informações. Que desespero! Que horas era o show? Daria tempo de chegar? Eu estava com o ingresso na bolsa, porém nem pensei em olhar.

Fui em frente. Cheguei a uma rua mais ampla e bem iluminada. Algumas pessoas vinham em direção contrária, no entanto eu não tinha coragem de pedir informações - maldita timidez! Quando olhei para o meu corpo, percebi outro problema: eu estava de pijamas! Que vergonha senti! Eu precisava de ajuda!

Logo, à direita, avistei um condomínio de casas de paredes brancas e telhados verdes. A primeira casa era a portaria e parecia mais uma recepção de clube de campo. Lá dentro havia um senhor usando o telefone, pois sua residência não tinha um. Eu o observava escondida atrás da porta de entrada, torcendo para que ninguém me visse de pijamas.

Olhei em volta. Aquele lugar lembrava um hotel fazenda também. Parecia que eu tinha saído da capital. Ninguém estranharia me ver de pijamas em um hotel fazenda, mas, ao olhar de novo para o senhor, encontrei seu olhar e senti vergonha novamente. Então, voltei para a realidade e para a caminhada.

Andava vagarosamente até que, de repente, senti certeza sobre qual direção deveria pegar e cheguei à casa de uma amiga. Subindo as escadas do sobrado, o ambiente estava tão claro, que parecia ter amanhecido do lado de fora. Outro amigo nosso estava morando com minha amiga e havia algumas visitas na casa. Todos estavam muito entretidos com a televisão, então não repararam nos meus trajes. Ainda bem!

Peguei uma roupa emprestada com minha amiga e me troquei rapidinho. Ao chegar na sala, minha vó estava esperando para me acompanhar até a porta. O que minha vó estava fazendo ali? Não tinha tempo para perguntar. Saí em uma rua completamente diferente da qual estava quando cheguei. E era noite novamente do lado de fora da casa.

Sem tempo para pensar no sentido desses acontecimentos desconexos, apenas me alegrei ao ver que aquela avenida eu conhecia. Agora bastava esperar o ônibus. A poucos metros, um relógio marcava vinte e uma horas. Será que o show começaria às vinte e duas? Ou começou às vinte horas e eu chegaria no final? Às vinte não era o jogo do Campeonato Paulista? Senti desespero e ansiedade novamente!

Foram tantas as dúvidas, que nem lembro mais o que aconteceu depois. Só sei que acordei às quatro horas da madrugada na minha cama e ainda faltavam três horas para eu levantar e ir trabalhar.

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